O HOMEM: Capítulo 4
ANTÔNIO CONSELHEIRO, DOCUMENTO VIVO DE ATAVISMO
Enquanto uma análise médica poderia conferir a Antônio Conselheiro o diagnóstico de uma psicose qualquer, a estrutura psicológica do povo sertanejo fez de seus delírios místicos reflexos diretos da realidade que os cercava.
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Vivendo sempre no limite da loucura e da razão, Conselheiro possuía uma origem étnica mestiça que, segundo o autor, poderia explicar sua “regressão mental” (atavismo).
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UM GNÓSTICO BRONCO
Um antropólogo poderia encarar como normalidade a figura de Antônio Conselheiro dentro de uma religiosidade primitiva vulgar, como ocorrera com os gnósticos, os adamitas, os montanistas, entre outros seguidores de cultos que se desenvolveram paralelamente à consolidação do cristianismo.
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GRANDE HOMEM PELO AVESSO
A paranoia de Conselheiro, ao invés de isolá-lo em sua insanidade, fortaleceu-o no frágil meio social em que vivia. Seus discursos eram tidos como fruto de inspiração divina.
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REPRESENTANTE NATURAL DO MEIO EM QUE NASCEU
O ambiente sertanejo, permeado de superstições e misticismo, harmonizou-se com a psicose do falso profeta.
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ANTECEDENTES DE FAMÍLIA: OS MACIÉIS
A genealogia de Antônio Conselheiro aponta para uma numerosa família de vaqueiros valentes (os Maciéis) que mantinham disputas constantes com famílias rivais, com um histórico de rancores e vinganças que produziram diversos registros criminais.
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LUTAS ENTRE MACIÉIS E ARAÚJOS
A principal desavença dos Maciéis se dava com a rica família dos Araújos, que certa vez os incriminou de um roubo às suas propriedades. Desenrolou-se daí uma longa história de conflitos, fugas, assaltos, vinganças e assassinatos – como era comum ocorrer entre famílias sertanejas.
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UMA VIDA BEM AUSPICIOSA
Não há informações sobre a influência do pai de Antônio Vicente Mendes Maciel (o Conselheiro) nas brigas familiares. Homem de caráter forte, ele educou seu filho de forma rígida, empregando-o como balconista desde jovem.
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Antônio teria sido um menino tranquilo e tímido, mantendo uma vida correta mesmo após a morte de seu pai. Cuidando de três irmãs solteiras, só procurou uma companheira para si após casá-las todas.
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PRIMEIROS REVESES
O casamento de Antônio teria originado a primeira crise dramática em sua vida. Talvez um desentendimento com a mulher, que parecia ter má índole, tornou-o quase nômade: viveu em diversos povoados, ocupando várias profissões.
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A QUEDA
A fuga de sua mulher com um policial é um grande golpe em Antônio, que segue envergonhado rumo ao sul do Ceará. Após hospedar-se com um parente e feri-lo, desaparece por dez anos.
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COMO SE FAZ UM MONSTRO
Surgiu na Bahia a figura de um homem esquálido, vestido com uma túnica azul, de barba e cabelos compridos. Sem falar nada sobre seu passado, alimentando-se pouco e dormindo ao relento, por onde quer que passasse ele chamava a atenção de todos. Sem querer, o personagem dominava o imaginário crédulo dos sertanistas.
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PEREGRINAÇÕES E MARTÍRIOS
Passando pelos sertões de Pernambuco e Sergipe, Antônio tinha sempre as mesmas vestes e carregava apenas livros religiosos. Vivendo de esmolas, nunca acumulava mais do que o necessário para um dia de alimentação e não aceitava como cama nada além de uma tábua ou mesmo o chão duro.
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Os primeiros fiéis o seguiram sem serem chamados. Um pequeno oratório tornou-se o primeiro objeto venerado pela seita nascente. O grupo adentrava os povoados entoando ladainhas e convocando a todos para as pregações de seu líder.
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LENDAS
Na vila de Itapicuru Conselheiro foi alvo de boatos que o levaram à prisão: dizia-se que ele teria matado sua mulher e sua mãe (confundindo-a com um amante).
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O ASCETA
Após passar por quinze anos de penitência, a prisão não foi um fato que transtornasse Antônio Conselheiro. Seu corpo suportara fome, sede e fadiga que o tornaram quase indiferente a qualquer crueldade. Apesar de sofrer violências em seu transporte até a capital da Bahia, o asceta não registrou qualquer reclamação e apenas negou as denúncias que recebera.
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Alvo da curiosidade popular, seu único pedido após julgado inocente foi que não se tornasse uma atração pública. Seu retorno ao sertão foi tido como milagre: na ocasião da prisão ele teria revelado os seus seguidores o dia em que voltaria, previsão que teria se confirmado.
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Ampliada a procissão em seu entorno, entre 1877 e 1887 Conselheiro passa por inúmeros vilarejos do sertão ao litoral. Seus fiéis são orientados a construírem ou reformarem igrejas e cemitérios, sempre ajudados pelas populações locais. Seus sermões reuniam multidões nas praças.
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AS PRÉDICAS
As pregações de Antônio assombravam o público: textos religiosos misturavam-se a citações latinas em profecias e conselhos dogmáticos que muitas vezes desafiavam qualquer conexão lógica. Com um gestual pobre, o falso profeta tinha no olhar profundo o principal fator de intimidação das massas.
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O autor compara sua oratória à dos capuchinhos, ordem franciscana que também criticava o sistema religioso estabelecido. Isto comprovaria, mais uma vez, o caráter retrógrado do personagem messiânico.
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PRECEITOS DE MONTANISTA
Os argumentos de Conselheiro são novamente comparados aos de outros agitadores religiosos, como Montano, que defendia a castidade extrema e a renúncia a quaisquer vaidades, que eram vistas por ele como tentações demoníacas.
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PROFECIAS
Antônio Conselheiro também era adepto de previsões apocalípticas, com a chegada do anticristo e a imposição do Juízo Final. As desgraças eram professadas ano a ano, até o suposto fim do mundo em 1900.
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Mesmo a vinda de Conselheiro ao mundo estaria pressagiada nas palavras de Cristo, que teria anunciado a vinda de um “anjo” que andaria pelos desertos construindo capelinhas e dando conselhos.
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Além das questões religiosas, o profeta também opinava sobre as transformações políticas da época, levantando oposição ao regime republicano que se instaurava.
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UM HERASIARCA DO SÉCULO II EM PLENA IDADE MODERNA
O narrador outra vez considera a figura de Antônio Conselheiro como um prolongamento atemporal dos profetas originados pelo judaísmo: seu discurso incorpora as mesmas críticas à hierarquia eclesiástica e a esperança de uma nova ordem espiritual sobre a terra.
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TENTATIVAS DE REAÇÃO LEGAL
Povoado após povoado, Conselheiro e seus fiéis encenavam as mesmas ações: reformavam prédios religiosos, organizavam “missas” e depois seguiam em qualquer direção, até uma nova parada.
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Os padres locais aceitavam as benfeitorias do grupo e viam nas pregações de seu líder um estímulo à religiosidade. Em 1882, entretanto, o arcebispo da Bahia redigiu uma circular alertando os párocos sobre a “rigidez excessiva” da moral pregada pelo tal Conselheiro e ordenando que sua permanência nos vilarejos fosse desencorajada.
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Tal comunicado não surtiu efeito e o profeta continuou sua peregrinação pelos sertões, reunindo milhares de ouvintes em seus sermões. Em 1887 a diocese da Bahia pediu ao presidente da província uma intervenção no caso, com a internação de Antônio em um hospício no Rio de Janeiro, mas a falta de vagas impediu esta ação.
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MAIS LENDAS
Inúmeras lendas construíram-se em torno de Conselheiro: forças sobrenaturais o ajudariam nas reformas de igrejas, tornando leves as enormes estruturas de madeira que se levantavam; estátuas da virgem Maria derramariam lágrimas de sangue em sua presença…
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Quando impedido de pregar em alguma vila, a reação de Antônio era um protesto tranquilo: tirava o pó de seus calçados e procurava outro lugar onde o aceitassem.
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HÉGIRA PARA O SERTÃO
No povoado de Natuba, porém, o profeta chegou a amaldiçoar o padre local, que se opôs ao restauro de sua igreja.
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A proclamação da República também contrariou os ânimos de Conselheiro, que instigou a população a queimar as tábuas que instituíam novos impostos. Percebendo a gravidade de suas ações, Antônio seguiu para o norte.
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Sendo alcançado por forças policiais enviadas pela capital, o grupo de fiéis foi defendido por jagunços que se uniram ao bando, numa prévia dos confrontos que a seita enfrentaria dali em diante.
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Conhecedor do sertão, Antônio Conselheiro continuou a caminhada rumo ao norte, buscando lugares inóspitos onde estaria longe do alcance do Estado.
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