Capítulo 2
Às sete horas Honorato Madeira desperta e chama sua esposa, Virgínia, que pediu que a acordasse cedo. Saindo de um sonho onde ainda era jovem, a mulher entra em sua descontente realidade: o marido, gordo e careca, se levanta feliz como de costume, tratando-a com um carinho que a incomoda. Com a mesma doçura ele fala do filho, “Noelzinho”, contrariando Virgínia. Honorato confirma com a esposa a ida ao baile do Metrópole, ao qual ele preferia não comparecer – ao chegar em casa após um dia de trabalho, tudo o que deseja é descansar.
Noel está sentado à mesa do café, lembrando-se da infância: a negra Angélica o cercava de cuidados, contava-lhe histórias, o protegia num mundo fantástico particular; ia para a escola acompanhado da colega Fernanda, que o defendia dos outros garotos que buliam com ele por sempre andar com as meninas.
A badalada do relógio tira Noel de seus devaneios e chega a criada para lhe servir o café. A visão dos seios da moça incomoda o rapaz, que não está habituado lidar com as fêmeas. Os contos da Tia Angé haviam deformado sua visão sobre a vida de tal forma que mesmo após sua morte ele continuou preso ao mundo de fantasia por ela criado.
Ao entrar na academia e perceber que a realidade não era como nos contos de fada, Noel refugiou-se ainda mais em seu quarto e seus livros. O primeiro contato sexual, incentivado por amigos, foi de extrema dor e desgosto. Concluiu que o mais encantador no mundo da fantasia era ausência do sexo: o que seria da Branca de Neve se os anões tivessem desejo sexual?
Conforme envelhecia, Noel sentia um vazio em sua vida, sempre monótona. O carinho que o pai tentava lhe oferecer era cerceado pela postura dura de sua mãe. Virgínia, que se sentia presa ao marido e ao filho em seu papel de mãe, vingava-se cobrando de Noel um casamento ao qual sabia que o garoto não aspirava.